JÁ ME NÃO LEMBRA
Já me não lembra o sonho que não tive...
Eram só sombras e existiram antes...
Na sucessão incerta dos instantes
Com o que delas lembra, meu ser vive.
Aqui, se aqui é nada, absurdo estive
E entre marés de espumas brilhantes
Contei à noite as súplicas constantes
Que não contei à noite, no declive.
Num fechar de olhos coagulam-se astros...
Nirvana... e o ocaso, regressada a hora,
Só tinge de ouro mate os alabastros...
Que jura eterna nunca se demora?
Que passo é sempre livre dos seus rastos?
Que nome fica, se a saudade chora?
Fernando Pessoa